Os Caprichos de Lana Turner no Brasil

Sem nome
Quando o diário carioca, "O Jornal", estampou a manchete "Lana Turner chegará ao Rio dia 25", milhares de fãs rumaram para o aeroporto Santos Dumont na esperança de ver a diva americana. Em vão. Naquele dia ela chegara à Argentina. No mesmo dia a imprensa recebeu uma nova mensagem anunciando que ela na verdade chegaria na segunda-feira. Depois a aterrissagem ficou para terça. As previsões pareciam todas tão falsas quanto as do fim do mundo. Até que finalmente aterrissou em solo carioca o "Pan American Airways" que trazia a estrela americana. A atriz veio acompanhada da repórter da revista "Photoplay", Sarah Hamilton, encarregada de cobrir a visita da intérprete de "O Destino bate à sua Porta" à América Latina. 
O roteiro incluiu também uma breve passagem pelo México, Panamá, Colômbia,  Peru e Argetina, mas Lana não imaginava que sua recepção no Rio seria tão tumultuada. Depois de tantos alarmes falsos o número de fãs que a esperava era bem menor que sete dias antes. Mesmo assim a multidão de quinhentas pessoas assustou a atriz. Todos os recantos da estação da Panair estavam ocupados. E pouco depois todos os bons lugares eram alvo de acirrada disputa. Prevendo o alvoroço, os guardas estenderam um cordão de isolamento, findando nos dois automóveis de luxo postos à disposição da atriz e da acompanhante. 
A equipe de seguranças do aeroporto separaram para os jornalistas que aguardavam no local um corredor estreito por onde teriam acesso ao local de desembarque. Mas o número de profissionais da mídia surpreendeu até os próprios colegas. Como bem observou o repórter do jornal "A Noite", "havia mais jornalistas que jornais". O diretor da Metro no Brasil, Adolpho Judall, até que tentou despistar os fãs alegando que a intérprete aterrissara em São Paulo. Mas ninguém acreditou. Quando a aeronave aterrisou, os repórteres correram para o local prejudicando a colocação da escada de acesso e interditando a saída dos passageiros. Lana Turner foi a última a desembarcar. Quando chegou a vez dela, contemplou a multidão e recuou assustada. 
Uma aeromoça transmite o pedido de Turner de falar com o representante do hotel em que se hospedaria. Mas em vez de um subiram três homens e quando desceram a multidão contemplou uma mulher vestindo uma roupa preta, chapéu de abas largas, enfeitado com flores roxas, pretas e verdes. Era Lana Turner. A artista ensaiou um sorriso para a multidão do alto da escadinha do avião e "no minuto seguinte, estava perdida entre milhares de braços, que faziam de mim uma estrela do strip-tease. O famoso tira-tira dos palcos americanos. Os fãs queriam uma recordação e não faziam a menor cerimônia em ir arrancando o que estivesse mais à mão.  As flores do meu chapéu sumiam nas mãos dos cariocas, que certamente saíam fazendo mal me quer, bem me quer...", lembrou.
Mais tarde, a diva narrou em uma série de artigos suas impressões da viagem à América do Sul. Lembrando do Brasil contou: "Os fãs nunca me atemorizaram tanto como dessa vez", revelou. "Mas no Rio de Janeiro não tinha jeito. Tinha de sair e enfrentar o público. Para piorar a situação, o carro que estava à minha espera estava a uma distância relativamente grande. E ainda havia as formalidades da companhia áerea! Não saltei logo com a esperança que desistissem. Mas o público parecia impaciente de tal forma que resolvi sair antes que todos decidissem entrar pelo avião".
O público não entrou no avião. Mas romperam o cordão de isolamento. Daí em diante os observadores não souberam explicar se a atriz andava ou era arrastada pela aglomeração. Apesar da vigilância, dois jornalistas, Adolfo Cruz, diretor do programa "Cinelândia Matinal", da Rádio Guanabara, e Armando Machado, conseguiram uma entrevista exclusiva com a diva com direito a uma saudação ao público pelo microfone. Durante a conversa relâmpago a atriz revelou que estava encantada com o Rio e agradeceu ao público que a aplaudiu em seguida. Assobios e palmas puderam ser ouvidos até mesmo fora do Santos Dumont. O diretor gerente da Rádio Nacional, Mário Neiva, foi outro que conseguiu se aproximar e tirar a primeira foto da atriz em solo brasileiro, antes que ela partisse para Petrópolis.
Sem nome
Os representantes da M.G.M e os guardas conseguiram levá-la até uma divisão de vidro, onde entre abanos e copo d'água assinou os documentos de desembarque. "Cambaleando consegui me esconder por trás de uma espécie de balcão  do aeroporto e fiquei ali, como uma ave rara em gaiola de vidro, e todo mundo me olhando em volta", confessou. Na redoma a atriz confessa o esforço para não brigar com os jornalistas e diz que responderá a todas perguntas da imprensa em uma entrevista coletiva que seria marcada posteriomente.
Lana abre a bolsa, põe na boca um cigarro que o hoteleiro e o diretor da Metro se esforçam para acender ao mesmo tempo. Ela então pede um café e após alguns goles desanda a chorar. Levam para Lana um líquido que os observadores não conseguiam distinguir se era calmante ou refresco. Era uísque puro, revelou depois. Pouco depois, tendo tomado um cafezinho, bebido um refresco e fumado um cigarro, Lana sorria de novo e acenava para os fãs, mas sem se atrever a deixar a caixa de vidro.   
Enquanto isso, a estrela e o representante da Metro confabulavam a respeito de como sairiam do aeroporto. A solução encontrada foi solicitar permissão para que os automóveis que a aguardavam entrassem no recinto de estacionamento de aviões de passageiros. Lana deixou a estação pela sala dos fundos onde chegou ao veículo que a esperava. Os carros não puderam sair por onde entraram e arrancaram ainda dentro do aeroporto. Chegando à pista de pouso, saíram no fim da Avenida dos Aviadores, pelo portão principal das instalações do Ministério da Aeronáutica. "Nunca andei tão depressa na minha vida. Perdi-me mais uma vez de Sara, enquanto o automóvel saía a 80 pela pista do aeroporto, deixando para trás os curiosos", lembrou.
Dias depois, mais calma, Lana explicou porque se recusou cumprimentar os fãs e a colaborar com os jornalistas. Contraíra um gripe ainda na Argentina. Vinha febril, com dor de cabeça e enjoara durante toda a viagem. "E vocês são meus amigos para compreender que as mulheres são vaidosas. Uma artista precisa zelar pelo seu patrimônio que não é somente artístico. O meu é a minha aparência, a minha fisionomia. Eu devo aparecer ao público tal como sou exibida no celulóide. Uma estrela deve zelar pelas suas fotografias, pelos seus ângulos. Que decepção eu não daria a todos, com coriza no nariz, os olhos inchados e a fisionomia abatida? Vim ao Brasil porque quis. Ninguém me obrigou nem foi por conta da Metro ou para exibições. Ouvia falar do nosso irmão do sul e queria conhecê-lo", esclareceu.
De fato, segundo reportagem do jornal "A Noite" (5/2/1946), ainda no mesmo dia da chegada ao Brasil a diva chamou um  clínico, Nelson de Sá Earp, que a diagnosticou com infecção gripal ligeira e depressão nervosa resultante de excesso de trabalho, agravada pelo cansaço da viagem. A artista foi medicada e no dia posterior já estava restabelecida, pois compareceu ao jantar "Week-end em Petrópolis", concedido em honra das missões diplomáticas estrangeiras que compareceram à posse do presidente Eurico Gaspar Dutra. O evento foi promovido no Hotel Termas Quitandinha onde estava hospedada.    
No evento, assistiu a uma apresentação do comediante Palitos imitando um marinheiro yankee, cantando uma melodia portenha. Depois, no palco, foi apresentado o quadro "Carnaval Carioca", que terminou na pista. Arrastada pela cantora Linda Batista, Lana dançou a noite inteira todos os ritmos da festa: samba, frevo e as marchinhas carnavalescas. Quando terminou assinou alguns autógrafos para os fãs e saiu pelo elevador da cozinha para evitar o assédio dos admiradores que se aglomeravam na porta da boate. No domingo deixou ordens estritas para não ser acordada antes do meio dia. No dia seguinte, sem maquiagem, cabelos esticados e presos apenas por um travessão, portando um vestido azul, almoçou na churrascaria. O espaço entre as mesas era pequeno e em meio a aglomeração que começava em volta da artista, uma voz exclamou: "Fila! Fila para autógrafos!" 
A abordagem dos fãs e da imprensa não a desanimaram de esticar as férias até o Carnaval. Queria ver de perto a maior festa brasileira. "Eu já me preparo para cair no ritmo gostoso do samba, aprendendo a dançá-lo com perfeição. Por sinal, já sei cantar 'Assobio um samba'; 'No Boteco do José'; 'Ai, Luzia' e 'Pagode na China'.  Como é bonita a música popular brasileira!", afirmou. 
A notícia foi divulgada em uma coletiva de imprensa agendada para o aniversário da artista. Na entrevista  pediu aos jornalistas uma sugestão de fantasia. Alguém propôs que se fantasiasse de baiana. "Seria uma falsa baiana", refutou. "Como eu invejo o tom da pele de vocês", apontou para uma repórter. A profissional respondeu: "Pois eu desejaria ser assim como você, Lana". Durante as férias no Brasil conheceu a cantora Linda Batista, aprendendo a cantarolar algumas de suas músicas, como "Pagode na China". Mesmo sendo grande amiga de Carmem Miranda, Lana considerava-a bem melhor que a embaixatriz brasileira do samba em Hollywood. E acreditando que a intérprete faria sucesso na capital do cinema comentou: "Se fosse para os Estados Unidos, talvez nunca mais voltasse". Também respondeu a outras perguntas dos jornalistas como: 
-Qual seu parceiro predileto?
-Clark Gable - respondeu. -Um companheirão!  
-Quais seus atores preferidos?
-Bette Davis e Cary Grant. 
-Qual é o filme que mais gostou de fazer?
-Éramos três mulheres.
Lana Turner reservou mesas para os quatro dias do Carnaval da Vitória do Hotel Termas Quitandinha. No evento dançou tão bem os ritmos brasileiros, principalmente o frevo, que os observadores foram unânimes em afirmar que a diva até parecia ter nacido em Pernambuco. Ainda durante a estadia no país foi homenageada pelo Popeye na Gávea. Em uma matinê infantil de segunda-feira de Carnaval foi vista ao lado de algumas crianças numa das salas mais afastadas do hotel. "Todas me fazem lembrar Cheryl", esclareceu a artista quando indagada se gostava de crianças.
Chegou a passear anonimamente pelo Rio. Mais tarde, em um domingo à tarde, hospedada no Copacabana Palace, foi descoberta pela imprensa. Aceitou posar para alguns repórteres, afastando-se pouco depois antes que começasse a chamar a atenção das pessoas. 
"A partida ficou marcada para 6 de março. Até lá fui recebendo uma porção de presentes: flores, bombons, perfumes e até dois cavalos de corrida foram por mim alegremente recusados. Naquela época já podia me considerar bem familiarizada com o Rio e os habitantes. Os homens e as mulheres são verdadeiros figurinos, e ditariam moda até em Hollywood. A vida noturna ainda que inferior a de Buenos Aires, ocorre dentro de um ambiente de maior animação e há shows que fariam sucesso em qualquer cantina de soldados", opinou.
Quando Lana e Sara voltaram para os Estados Unidos, partiram como gostariam de ter chegado, anonimamente. Em Hollywood matou saudades da filha e dormiu. "Às seis horas do dia seguinte, acordei sobressaltada, com medo de chegar atrasada ao estúdio. Meu sonho acabara", lamentou.    
De acordo com a revista "O Cruzeiro" (7/9/1946), quando Lana Turner voltou aos Estados Unidos entregou à Metro um questionário contendo suas observações sobre a América do Sul. No país natal saiu espalhando todas as impressões que tivera do Rio. A principal delas? "Copacabana vale muito mais do que todos os cartões postais se incumbem de mostrar", afirmou.

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