Audrey Hepburn, Ícone Pop

Em 18 de setembro de 1951 Audrey Hepburn foi levada ao set de filmagem do Pinewood Studios da Inglaterra para um teste cinematográfico. O filme seria estrelado por Gregory Peck, mas quem seria a atriz? A princípio pensaram em Elizabeth Taylor ou Jean Simmons, mas as duas estavam muito ocupadas na época. Foi então que Richard Mealand, representante da Paramount em Londres, lembrou de uma breve aparição de Audrey no longa “Laughter in Paradise” e achou que ela poderia ser a atriz ideal para o novo filme que estavam produzindo - “A Princesa e o Plebeu”. Hepburn não sabia, mas o diretor William Wyler instruiu o cameraman a manter a câmara rodando depois do fim da cena. Quando ouviu “corta”!, Audrey sentou-se na cama e perguntou:
-E aí, como foi? Fiz bem?
Como não ouviu resposta, apenas o ronronar da câmera, concluiu: “Ah, me enganaram! Ainda estão gravando!” E caiu na risada. Quando viu aquilo a equipe não teve dúvidas de que estava diante da atriz certa para o papel. Nasceu assim a lenda Audrey Hepburn.
Mas, o que pouca gente sabe é que Audrey Hepburn não queria ser atriz. Ela sonhava mesmo em ser bailarina. Como era considerada muito alta para a profissão, não teve outra alternativa além de trabalhar como corista num teatro de variedades onde foi notada e levada para o cinema. Ela começou fazendo pequenas participações, que foram aumentando gradativamente, até que chamou a atenção da escritora Colette durante a gravação de uma cena do filme “Monte Carlo Baby”.
O agente de Colette em Nova York decidira transformar o romance “Gigi” em uma peça da Broadway. Mas até aquele momento não havia encontrado a atriz certa para o papel. Os investidores do projeto já estavam desesperados. Já cogitavam apenas imporem um nome conhecido para a produção e darem o caso por encerrado, quando a escritora entrou na história, avistando Audrey pela primeira vez. No momento em que a viu, pensou: “Ali está Gigi”!
A autora estava no Hotel de Paris, o mesmo em que estava sendo rodado o longa, e puxando para si um membro da equipe perguntou: "Quem é aquela?"
-Mademoiselle Hepburn, madame.
-Diga que quero falar com ela.
Colette explicou que em breve seu livro ganharia uma adaptação na Broadway e que ela gostaria que Audrey ficasse com o papel de protagonista. Mas Hepburn recusou o convite imediatamente. “Não posso. Nunca falei no palco” – e, sorrindo, acrescentou: - Sou apenas uma bailarina. Como Colette não aceitava ser contrariada, Audrey esperava dissuadir a equipe quando encontrasse Anita Loss, autora da peça, e Gilbert Miller, produtor. Miller de fato quase desistiu da ideia de contratá-la quando soube que era inexperiente; mas Anita, pelo contrário, decidiu mantê-la, sentindo no íntimo que estava diante de uma daquelas atrizes de vanguarda.
O tempo se encarregaria de provar que Colette estava correta ao sugerir Aurdrey para o papel de protagonista. “Gigi” estreou com boas críticas. Brooks Atkinson, crítico da “Times”, enalteceu principalmente o “encanto, sinceridade e talento” da atriz. Quando viu isso o produtor, Gilbert Miller, mudou o letreiro da marquise do “Fulton Theater” de “Gigi” para “Audrey Hepburn em ‘Gigi’”. Para a perplexidade de Audrey que comentou ao ver o nome em letras garrafais: “E eu ainda tenho de aprender a representar!”

Enquanto isso, as gravações de “A Princesa e o Plebeu” foram tensas. Audrey ficava apavorada diante das câmeras. Quando terminava uma cena olhava para o rosto do diretor em busca de reconhecimento. Wyler sempre lhe dirigia uma palavra de apoio, mas logo em seguida regravava a cena uma, duas, três vezes. Ao meio-dia a paciência da atriz já estava esgotada. Mais tarde, porém, quando a equipe assistiu às primeiras tomadas do filme, todos concordaram que Audrey seria o novo rosto de Hollywood. Ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz de 1954 e quando perguntaram como comemoraria o prêmio, respondeu: “Em casa, com a mamãe!”
Satisfeita com o resultado, a produção escalou-a para o novo filme de Billy Wilder, “Sabrina”. Este foi o filme que transformou a imagem de Audrey Hepburn pela primeira vez, de estrela de cinema em ícone da moda. O longa conta a história de Sabrina Fairchild, a filha do motorista de uma família milionária que se apaixona pelo filho do patrão. Magoada pela rejeição, vai estudar em Paris e, anos depois, quando volta, mais adulta, bela e sofisticada, arrebata o coração não apenas de um, mas dos dois herdeiros dos Larrabee, provocando muita confusão. Os bastidores de “Sabrina” também renderiam um bom filme. Como no enredo Audrey sofreria uma transformação radical, Wilder intuiu que seria bom que ela mesma escolhesse o figurino em Paris, despertando a ira da figurinista “oficial” de Hollywood, Edith Head. O encontro de Audrey e o lendário Hubert de Givenchy para a compra do figurino também entrou para o anedotário hollywoodiano.
Como não entendia muito de moda, a produção pediu a Gladys de Segonzac, mulher do chefe da Paramount em Paris, que a acompanhasse em sua visita pela capital francesa . O ateliê de Cristóbal de Balenciaga seria a primeira parada das duas no roteiro que haviam traçado, mas o estilista estava muito ocupado com a nova coleção, e não teria tempo para preparar o figurino de um filme – principalmente para uma atriz até então desconhecida. De Segonzac lembrou, então, de um jovem estilista com quem havia trabalhado na Schiaparelli, Hubert de Givenchy.
Givenchy estava curvado sobre a bancada de desenho, ocupado com a coleção de inverno seguinte, quando anunciaram que mademoiselle Hepburn queria vê-lo. O estilista exultou! Imaginou que seria Katharine Hepburn, que recentemente estrelara o sucesso “Uma aventura na África”. Quão decepcionado ficou quando tudo que viu foi uma moça magrela de 1,68 metros, com as medidas 79 – 55 – 79, cabelo curto, calça minúscula, sapatilhas de balé e um chapéu de palha de gondoleiro com a inscrição: “Veneza”.
-Bonjour! – Cumprimentou ela.
-Bonjour, mademoiselle!, respondeu ele. - Quem é você?
-Audrey Hepburn!
-Não Katharine?
-Não Katharine.
A princípio o estilista se recusou a continuar com a conversa, argumentando que tinha muito trabalho. Mas depois de muita insistência de Audrey, ele consentiu que ela experimentasse algumas peças, lembrando que estava sem tempo para preparar algo novo. Apesar do atrito inicial, naquele momento os dois começaram uma longa amizade que duraria a vida inteira; bem como marcou o início de uma parceria que chegaria ao auge em “Bonequinha de Luxo”.
O produtor Marty Jurow comprou os direitos autorais do livro “Bonequinha de Luxo”, de Truman Capote, por 65 mil dólares. E ainda durante as negociações Capote sugeriu Marilyn Monroe para interpretar a atriz principal; enquanto ele, o autor, faria o parceiro de Holly no filme. Jurow conseguiu dissuadi-lo de participar da história, alegando que um escritor do porte de Truman Capote merecia algo mais alegre. Argumento que ele aceitou. Mas concordou em manter os outros pontos. Mesmo achando que Marilyn não seria a escolha a ideal para o filme, Jurow se comprometeu a conversar com ela sobre a proposta. O convite surgiu ainda no caminho de volta para casa, em Los Angeles, quando os dois sentaram lado a lado no mesmo avião. Mas, para o sorte de Jurow, Marilyn não assinava nenhum acordo sem o consentimento do instrutor de interpretação, Lee Strasberg. E alguns dias depois, o produtor recebeu um telefonema de Strasberg dizendo que “Marilyn não faria nenhum papel de dama da noite”.
Após a rejeição oficial de Marilyn, a dupla de produtores, Mart Jurow e Richard Shepherd, partiu em busca da nova atriz para interpretar Holly Golightly. Primeiro pensaram em Shirley MacLaine, que não aceitou porque já estava contratada para fazer “Dois Amores”. Depois cogitaram Rosemay Clooney, porém eles acharam que ela não ficaria bem no papel. Por último, estudaram a possibilidade de ser Jane Fonda. Mas, também não funcionaria! Ela era muito jovem! Finalmente pensaram, por que não Audrey Hepburn?
No entanto, quem disse que Audrey Hepburn queria ter a imagem associada a uma garota de programa? Antes da proposta da adaptação cinematográfica, o marido dela, Mel Ferrer, já conhecia o livro. E só em pensar que a mulher poderia interpretar uma prostituta sentia calafrios. Foram necessários quase sete dias para convencê-la a fazer o filme. Marty Jurow só conseguiu persuadi-la quando argumentou que antes de ser uma cortesã, Holly era uma sonhadora. Uma singela garota do interior que sonhava em fazer fama e fortuna em Nova York. E se ela, Audrey, não conseguia ver isso, era porque talvez não fosse mesmo a atriz certa para estrelar “Bonequinha de Luxo”. Hepburn aceitou, com a condição de que fossem feitas algumas mudanças no roteiro e no jargão usado pela protagonista.
Não foi apenas o roteiro que precisou ser ajustado. O diretor também teve de ser trocado. Para a direção, os produtores tinham escalado John Frankenheimer. Mas o cineasta tinha apenas um longa no currículo – “The Young Stranger, 1957” –, sua experiência vinha basicamente da televisão. O agente de Audrey, Kurt Frings, ligou, então, sugerindo alguns nomes que eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho: William Wylder, Billy Wilder, Fred Zinnemann ou George Cukor. Da lista, se a intérprete de fato pudesse escolher um , ficaria com Zinnemann, que a dirigira em “Uma Cruz à Beira do Abismo”. Sua melhor performance até então, na opinião dela, e tudo graças ao diretor. Contudo, os cotados ou estavam ocupados ou não demonstraram interesse. Os produtores decidiram, assim, escalar Blake Edwards, que recentemente dirigira o divertido “Anáguas a bordo” além da série de sucesso “Peter Gunn”.

Mas, não foi só Audrey Hepburn que fez objeções a alguns nomes da equipe. Blake Edwards também não queria trabalhar com George Peppard. Preferia Tony Curtis ou Steve McQueen. Talvez pressentindo os atritos que George teria com toda a equipe, até mesmo com Audrey que se dava bem com todo mundo. Nos bastidores ele a chamava de “a freira alegre”. Outra colega que se queixou do mau comportamento do ator foi Patricia Neal. De acordo com a atriz, Peppard sugeriu vários cortes nas cenas em que ela apareceria. Além de não acatar as sugestões que ela dava. Algumas muito interessantes, como quando propôs que George Peppard gravasse uma cena no colo dela. Ele recusou horrorizado. Nunca faria uma cena daquelas. “Ok”, disse ela, “Mas será que Paul faria?” – ela perguntou.
Tão diferente da colega Audrey Hepburn de quem todos gostavam. Miriam Nelson no livro “Quinta Avenida, 5 da Manhã”, lembra que Audrey “era sempre carinhosa, despretensiosa e simpática com todos. Algumas estrelas vão para o camarim entre uma tomada e outra, mas ela não”. Opinião que era compartilhada por Richard Shepherd: “Tudo que você leu, ouviu dizer ou esperou que fosse verdade sobre Audrey Hepburn”, disse, “não chega nem perto do quanto ela era maravilhosa. Não existe na face da terra ser humano mais doce, gentil, atencioso, generoso, brilhante e modesto do que Audrey. Ela era simplesmente uma pessoa extraordinária, excepcional. Todo mundo tem de saber disso”.
A escolha do Gato sem nome foi uma das mais curiosas do “casting”. Cerca de 25 bichanos, todos de pelo alaranjado, compareceram ao hotel Commodore de Nova York para o teste que escalaria o animal de estimação de Holly Golightly. O vencedor foi Orangey, um gato de seis quilos pertencente ao senhor e senhora Albert Murphy. Anos depois Audrey revelaria que abandoná-lo na chuva foi a cena mais difícil de sua carreira.
Esteticamente, o filme também se revelou inovador sob vários aspectos. No início dos anos 60 o filme “Bonequinha de Luxo” provocou uma revolução não só em termos de moda como também em termos morais e de costumes. O vestidinho preto que a personagem Holly Golightly usou na abertura do filme rapidamente se tornou uma febre entre as americanas. Foi então que a escritora americana Letty Pogrebin começou a pensar seriamente sobre o preto. O vestuário da protagonista “não era rosa nem verde limão. Não tinha rendinha na gola nem estampadinho”. Mas emanava poder!
O filme também era muito avançado para a época! Os anos 60 estavam começando, as mentalidades mudando e as mulheres que nasciam naquela época procuravam um modelo para se identificar e não encontravam. Holly Golightly seria o protótipo que buscavam. Como explicou Pogrebin: “Naquela época eu realmente me considerava o alter ego de Holly Golightly. Em primeiro lugar porque ela era muito diferente daquela caricatura hollywoodiana da mulher. Ela era aquela que a gente queria ser”. Além disso, o fato de mostrar pela primeira vez uma mulher que morava sozinha, com uma vida sexualmente ativa, sem ser moralmente questionável, revolucionou os costumes da época. Como comentou a crítica de cinema Judith Christ: “’Bonequinha de Luxo’ foi um passo a frente na representação da mulher no cinema (...) Audrey Hepburn é bem-sucedida no que faz e é de certa forma dona de si mesma. Uma realista (...) Uma mulher multifacetada que não é punida por suas transgressões. O filme foi um dos primeiros a nos pedir que simpatizássemos com uma moça ligeiramente imoral. O cinema começava a dizer que se você fosse imperfeita não precisava ser punida”.
Comercialmente "Bonequinha de Luxo" também foi igualmente satisfatório. Jurow e Shepherd conseguiram dar para os personagens o final feliz que todos almejavam. O roteirista George Axelrod chegou a enganar Truman Capote dizendo que o filme se chamaria “Siga aquela loira”. Quando o escritor descobriu que tudo não passava de uma brincadeira ficou enfurecido, e nunca mais se aproximou dele novamente. O chefe de produção, Marty Rackin pensou em tirar a música “Moon River” do filme, mas Shepherd protestou dizendo que "só por cima do cadáver dele". Só quem não gostou muito da adaptação foi Truman Capote. Décadas depois, após alguns drinques, quando indagado por um jornalista se havia encontrado algo errado na adaptação, Capote respondeu: “Apenas tudo. Foi um dos filmes com elenco mais errado que já vi (...) E, embora goste muito da Audrey Hepburn e ela seja minha amiga, fiquei chocado e extremamente incomodado com sua escolha para o papel. Foi uma alta traição da parte dos produtores”.
O filme se mostraria um grande sucesso. Não tanto por ter arrecadado muito dinheiro, mas por ter angariado um orçamento razoável, apesar do baixo investimento. O bastante para os produtores Marty Jurow e Richard Shepherd receberem calorosos apertos de mão dos executivos da Paramount. Eles não sabiam ainda, mas o tempo tornaria “Bonequinha de Luxo” um clássico. O filme foi indicado a cinco Oscars: Melhor Atriz (Audrey Hepburn), Melhor Roteiro Adaptado (George Axelrod), Melhor Direção de Arte, Melhor Canção e Melhor Trilha Sonora. Venceu nas duas últimas categorias. Audrey chegou a viajar para Nova York para assistir à premiação. Mas teve de assistir a tudo da cama com dor de garganta. Perderia o troféu para Sophia Loren em “Duas Mulheres”. Mas sua carreira não pararia por aí, ela ainda faria “Minha Bela Dama”, para muitos sua obra-prima. Mas o filme a esgotaria assim como o casamento com Mel Ferrer. Após um breve relacionamento com Albert Finney, nos bastidores de “Um Caminho para Dois”, ela pediu o divórcio de Mel. Dando um ponto final a um dos casamentos mais idílicos da história de Hollywood.
Finalmente, quem nunca quis saber qual era o segredo de beleza da Audrey. Um dia ela compartilhou e o site Aleteia o divulgou:
1. Para ter lábios atraentes, diga palavras bondosas.
2. Para ter lindos olhos, procure enxergar o lado bom das pessoas.
3. Para ter um corpo esbelto, divida sua comida com quem tem fome.
4. Para ter belos cabelos, deixe uma criança acariciá-los uma vez ao dia.
5. Para ter uma boa postura, ande sabendo que você nunca está sozinha.
6. Pessoas, mais do que coisas, precisam ser restauradas, renovadas, revividas, resgatadas e redimidas, nunca as despreze ou descarte.
7. Conforme você envelhece, você descobre que tem duas mãos, uma para ajudar a si mesmo e outra para ajudar aos outros.
8. A beleza de uma mulher não está nas roupas que ela veste ou no jeito que ela penteia o cabelo. A beleza de uma mulher deve ser vista nos seus olhos, porque essa é a porta para o seu coração, o lugar onde o amor reside.
9. A beleza de uma mulher não está em sua maquiagem, mas a verdadeira beleza de uma mulher reflete sua alma. É um carinho que ela dá, seu amor, a paixão que ela demonstra.
10. A beleza de uma mulher só aumenta ao longo dos anos.
Outra referência para saber mais sobre a Audrey:
Wasson Sam. Quinta Avenida, Cinco da Manhã. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
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