Três Irmãs: A História das Brontë

Isabelle Adjani, Isabelle Huppert e Marie - France Pisier em cena do filme "As Irmãs Brontë." 

Quando Charlotte Brontë sentou-se para escrever a paixão de uma governanta por um homem casado, provavelmente não imaginou que com aquela obra abriria também um novo capítulo na História da Literatura Universal. O romance soou tão moderno para a época que ofuscou até o brilho de "O Morro dos Ventos Uivantes", da irmã Emily, lançado em dezembro do mesmo ano. Fato que ela sempre considerou um despropósito.
“As críticas não souberam fazer-lhe a merecida justiça. (...) Seu significado e natureza foram incompreendidos e a identidade da autora falsamente interpretada. Alguns chegaram ao cúmulo de afirmar que se tratava de uma tentativa mais antiga e rudimentar da mesma pena que havia escrito 'Jane Eyre'”, lamentou. Durante muito tempo os críticos não tiveram dúvidas em apontar Charlotte como a mais talentosa das irmãs Brontë. Mas em 1877 o poeta e crítico inglês Algernon Charles Swinburne publicou o ensaio “Uma nota sobre Charlotte”, invertendo a ordem das duas em importância.
Anne completa a trindade brontëana. Era a caçula da família, melhor amiga de Emily e sobrinha favorita da tia Elizabeth Branwell. Constantemente tem a obra relegada a um segundo plano por não ter escrito nada reputado por inovador ou revolucionário como as irmãs mais velhas. Mas Anne não escreveu nenhuma obra considerada original por falta de capacidade e sim porque trabalhou para várias famílias burguesas da época; e pelo que se pode deduzir do romance "Agnes Grey", eram ricas, porém incultas. Por isso achou melhor escrever algo acessível ao público. Mas foi justamente por ter escrito um romance tido como compreensível por todos que acabou não sendo compreendida por ninguém. Nem pela própria irmã Charlotte que sempre considerou seus escritos tão "banais". Foi preciso que se levantasse uma nova geração de críticos para que a mais nova do trio fosse reabilitada e conduzida ao panteão literário inglês.
As três tinham um irmão, Patrick Branwell, que para evitar ser confundido com o pai, (Patrick também), era conhecido apenas por Branwell. Seguindo o costume patriarcal da época,  ele estava destinado a cursar faculdade, de onde se esperava que voltasse diplomado com louvor. Epiléptico, em uma época que o distúrbio era quase um enigma para a Medicina, o rapaz nunca frequentou escola e foi educado em casa, pelo pai.
Hoje o clã Brontë é mais conhecido pelas três irmãs, mais precisamente por Emily, mas quando os quatro eram adolescentes todos achavam que ele é que ainda seria famoso. Como os demais membros da realeza brontëana, Branwell também tinha sua quota de genialidade: era excelente pianista, poeta e desenhista. Aos dezoito anos saiu para estudar pintura na Real Academia de Artes de Londres, mas fracassou nos estudos. Os fãs de Literatura devem a ele uma das poucas imagens das irmãs Brontë. O quadro foi pintado em 1834 em preto e branco. Na figura original ele aparecia entre Emily e Charlotte, mas por uma razão desconhecida ele decidiu se omitir na versão final. Um evento bastante curioso, já que  a produção literária dele nunca foi reconhecida como a das três irmãs escritoras.

Como nasce uma Estrela

Sempre que os biógrafos das irmãs Brontë tentam compreender a origem da genialidade das romancistas, vão para o vilarejo de Haworth, onde o pai, Patrick Brontë, chegou a 20 de abril de 1820 acompanhado da mulher, Maria, e dos filhos Maria, Elizabeth, Branwell, Emily e Anne. O curato onde residiriam era uma casa de dois pavimentos, sombria e úmida, situada no alto da aldeia. A residência tinha aos fundos uma charneca, onde o vento uivava nas noites de inverno. As crianças Brontë, especialmente Emily, costumavam passear por ela, sós ou acompanhadas.
Patrick Brontë era um pastor anglicano de origem humilde que conseguiu, com muito esforço, se graduar em Teologia e História pela Universidade de Cambridge. Quando chegou  a Haworth para ministrar na nova igreja local, trazia na bagagem obras de Walter Scott, Shakespeare, Esopo, Milton. Mas também alguns livros de autoria própria, como poemas campestres e romances de tom moralizante. Nas horas livres redigia panfletos e artigos para jornais. A mulher, Maria, não era eclipsada pelo marido. As correspondências trocadas com ele antes do casamento, revelam um certo pendor literário, como visto no artigo “As Vantagens da Pobreza na Vida Religiosa”.
Um ano após à chegada da família, Maria Brontë morreu de câncer de útero. Só, com seis filhos pequenos para criar, ele concluiu que seria melhor casar-se novamente. Primeiro propôs casamento a uma moça das redondezas, Isabella Dury. Mas ela recusou. Depois a uma namorada de juventude, Mary Burder, mas ela também disse "não". Até que cansado de tantas negativas, decidiu escrever à cunhada, Elizabeth Branwell, para ajudá-lo na criação dos filhos. Enquanto ela não chegava, as tarefas domésticas ficavam por conta de uma criada da vizinhança, enquanto Maria, a primogênita da fratria Brontë, de apenas sete anos, cuidava dos irmãos menores. Para as crianças pouca coisa mudaria com a chegada da tia. Elas continuariam entregues a si mesmas ou aos cuidados de Mariazinha. Quando não estavam estudando ou lendo, a irmã mais velha lia para elas os livros da biblioteca do pai ou as revistas e jornais que chegavam ao presbitério.
Outra personagem chave na gênese das Brontë foi a criada Tabitha Aykroyd. Natural de Haworth, Tabby tinha 53 anos quando começou a trabalhar para a família. Nunca se casou, mas desde que foi admitida fez da casa do reverendo Patrick Brontë seu novo lar.
Nas horas de folga levava as crianças para passearem na charneca ou contava lendas e histórias da região como as revoltas dos artesãos, desempregados pelos primeiros teares mecânicos a vapor na cidade. As batalhas entre patrões e empregados ficaram vivas na memória dos moradores por muito tempo e nas narrativas de Tabby às crianças chegavam mesmo a ganhar um caráter épico. Posteriormente todas estas fábulas inspirariam Charlotte a usar o episódio como cenário para o romance "Shirley", em que a própria Tabitha serviu de modelo para a governanta Martha. Qualquer fã atento de "O Morro dos Ventos Uivantes" também notará similitudes entre ela e a personagem  Nelly Dean.

Os Anos Cowan Bridge

Mais ou menos no mesmo ano em que a família Brontë chegou a Haworth, o reverendo Carus Wilson fundara uma escola para filhas de clérigos pobres em Cowan Bridge. Patrick Brontë não sabia que o internato funcionava em um antigo moinho. Também ignorava que as alunas eram constantemente vítimas de maus tratos. Desconhecia ainda a péssima qualidade da alimentação que associada à higiene precária das instalações favorecia a proliferação de epidemias como tuberculose e febre tifoide, e matriculou as quatro filhas mais velhas no colégio.
Na escola, as crianças eram vítimas de “bullying” da parte das veteranas. Principalmente Charlotte, que sofrendo de miopia precisava ler com a cara nos livros. Com o tempo Maria e Elizabeth começam a se queixar de uma tosse severa e voltam para casa com tuberculose avançada. As duas falecem em um curto intervalo de tempo uma da outra, a seis e quinze de junho de 1825, respectivamente. O ministro anglicano decide então retirar também Chalotte e Emily da escola. Pelos próximos seis anos as filhas aprenderão em casa, com o pai, a tia ou autodidaticamente.
Em 1831 a notícia de um novo internato feminino em Roe Head, dirigido por Margaret Wooler, animou o reverendo Brontë a matricular a filha mais velha, que ficaria lá por dezoito meses. A nova experiência em nada lembraria o pesadelo de Cowan Bridge. No colégio Charlotte logo fez muitas amigas. As amizades de algumas colegas, como Ellen Nussey e Mary Taylor, durariam a vida inteira. Também foi na escola da senhorita Wooler que Charlotte teve a oportunidade de mostrar pela primeira vez os talentos de grande narradora, contando à noite histórias horripilantes às colegas, como “Napoleão e o Espectro”, que ela escreveria anos depois. A futura romancista marcou bastante o espírito da diretora no período que frequentou a escola. Tanto que três anos depois foi convidada para lecionar no pensionato.
Em tese seria mais dinheiro que entraria em casa. Mas o salário estava todo dividido. Charlotte aproveitou o ensejo para levar Emily como aluna. A mensalidade seria descontada dos honorários. A outra parte do ordenado contribuiria para a manutenção da estadia do irmão em Londres. Sobrando pouco para ela, portanto. Alguns dias antes de partir Charlotte escreveu à colega Ellen Nussey: “Vou ensinar no mesmo lugar em que fui aluna. Senhorita Wooler me propôs o posto de professora e eu o prefiro aos dois cargos de governanta que me ofereceram antes. Estou triste com a ideia de deixar o meu lar, mas o dever e a necessidade são mestres severos dos quais eu não consigo fugir”.
Na manhã da viagem Emily acordou de cara emburrada. Ninguém a consultara sobre o que ela queria para si. Além disso faria dezessete anos no dia seguinte e teria de passar o aniversário longe da família. Resultado: não aguenta as saudades de casa, adoece e é substituída por Anne. A caçula da família soube aproveitar melhor a oportunidade, deixando na escola o rastro de leão das Brontë. Em dezembro de 1836 receberia das mãos da própria diretora um Prêmio de Boa Conduta. Mais tarde, quando Anne adoeceu indo tratar-se em Scarborough, a senhora Wooler disponibilizou uma casa de praia para hospedá-la, mas ela recusou polidamente, preferindo um hotel ao sul da cidade.
No internato a rotina de professora entedia Charlotte. Enervada, tem um colapso nervoso e volta para casa. Para completar o pensionato mudara para Heald's House, distrito a oeste de Yorkshire, mais úmido que Roe Head. Não suportando o frio, Charlotte pede exoneração alegando que o clima lhe fazia mal. Na despedida, recebeu da diretora um volume de poemas de Walter Scott como recordação pelos serviços prestados.
Voltando para casa depara-se com uma crise financeira sem precedentes. Até Emily que não gostava de passar muito tempo fora de casa, trabalhava agora como preceptora na escola para moças de Miss Patched, em Law Hill. Charlotte poderia fazer o mesmo, mas pela experiência no Colégio da Senhorita Wooler, concluiu que deveria dar uma pausa para o professorado, experimentando a carreira de governanta. O emprego era uma das quatro opções que uma mulher inglesa do século XIX, culta mas pobre como as Brontë, poderia seguir além de ser professora. As outras duas eram casar ou serem damas de companhia.
No Natal de 1836, estando os quatro irmãos reunidos, cogitaram pela primeira vez a possibilidade de se tornarem escritores. Charlotte e Branwell decidem então ouvir uma opinião abalizada a respeito das poesias que escreviam desde crianças e enviam uma  amostra para William Wordsworth e Robert Southey. Wordsworth nunca respondeu à carta de Branwell; mas Southey respondeu à de Charlotte.  “A Literatura não é lugar para mulheres”, afirmou. “Quanto mais elas se consagram ao dever que lhes incumbe, menos tempo têm para praticá-la. Ainda que a título de entretenimento”, escreveu.  A carta magoou a primogênita Brontë, mas não a desanimou. Ela continuaria escrevendo poesia nas horas vagas pelos anos seguintes.
1839 foi um ano agitado para Charlotte. Começou recusando uma proposta de casamento do irmão da amiga Ellen Nussey. Não queria se casar sem amor. No mesmo ano se empregou como governanta na casa de uma família abastada de Yorkshire, os Sidgwick. O trabalho não era fácil. A família era esnobe e orgulhosa; e as crianças, mimadas e caprichosas. Até livros jogaram um dia em cima da professora. Não aguentando a pressão, preferiu demitir-se. Em março de 1841 conseguiu emprego na casa da senhora White, um pouco menos hostil. Anne, por sua vez,  teve um pouco mais de sorte com os Robinson, conseguindo mesmo engajar o irmão como preceptor para a nova família.
Foi neste contexto  que Charlotte sugeriu: “E se fundássemos uma escola para moças?” Um internato em que as professoras fossem ela e as irmãs! O presbitério seria o alojamento e a dependência da igreja, onde era ministrada a escola dominical, a sala de aula! Mas antes era preciso aprimorarem a formação!  Afinal elas precisariam ensinar francês, italiano ou alemão para as alunas. O ideal seria estudar em Paris ou Lille. Mas elas rejeitaram a ideia. A Revolução Francesa e a expansão napoleônica fizeram da França antipática aos olhos de muitos europeus, e as irmãs Brontë não ficaram indiferentes à animosidade reinante. Naquela época Mary Taylor, colega de Charlotte no pensionato da senhorita Wooler, estudava em Bruxelas. A Bélgica então pareceu o destino perfeito para o novo ciclo de estudos. Com o aval de tia Elizabeth, que prometeu apoiar financeiramente as sobrinhas, Charlotte e Emily partem para o internato do Senhor e Senhora Héger.
Elas chegam acompanhadas do pai em fevereiro de 1842 para um período de seis meses. Claire e Constatin Héger eram os proprietários da escola. Ela era a diretora e idealizadora do colégio; ele, o responsável pelas turmas de francês. Nas aulas o professor inflamava o auditório com discussões sobre grandes autores. Exigia muita leitura, debates de pontos de vista e análises estruturadas. Ao final de cada lição pedia às alunas que fizessem uma dissertação sobre algum tema geral ou filosófico. Sempre anotando alguma observação na margem da página corrigida, como se pode inferir pelos comentários deixados nas redações de Charlotte e Emily. As alunas o adoravam. Menos Emily. Já Charlotte  tornou-se a aluna predileta do mestre. Como ele observou em uma carta enviada a um amigo: “Ela era dotada de uma faculdade de raciocínio superior que lhe permitia deduzir conhecimento antigo de novas esferas do saber. Se tivesse sido homem, sua vontade teria triunfado sobre todos os obstáculos, suplantado todas as oposições”.
No final do semestre Emily não só falava alemão fluentemente como também tocava piano como uma profissional. A senhora Héger propõe então às duas irmãs que fiquem por mais seis meses como alunas-mestras. Charlotte ensinaria inglês e Emily música. Não pagariam as taxas do internato, mas também não receberiam honorários. Mas o processo foi interrompido. Elizabeth Branwell morreu em outubro obrigando - as a voltarem para Haworth. Elizabeth deixou um pequeno legado, igualmente dividido entre as três sobrinhas e uma prima de Penzance, Eliza Kingston. Charlotte ficou com a família até janeiro, mês em que partiu novamente para o pensionato. Emily ficou ajudando Tabby com as tarefas domésticas.
A segunda estadia no colégio seria completamente diferente da primeira. A amizade entre Charlotte e o professor Héger estava mais estreita. O professor cogitava até contratá-la como titular. Tanta intimidade incomodou a mulher dele. Charlotte Brontë estava apaixonada pelo mestre e o sentimento não passou despercebido aos olhos dela. O professor, por sua vez, também não parecia muito interessado em viver uma aventura com uma aluna. A prova? Quando Charlotte se licenciou para cuidar do pai, que se operaria em breve de uma catarata avançada, ela escreveu quatro longas e apaixonadas cartas ao mestre. Ele as leu e as rasgou. Claire as descobriu, restaurou e guardou em um porta jóias. As correspondências ficaram em posse da família por muitos anos, até 1913, quando os filhos do casal as encontraram e as doaram para o Museu Britânico. Mas Elizabeth Gaskell, grande amiga de Charlotte e sua primeira biógrafa, sabia da existência das cartas desde 1856 quando visitou a escola em Bruxelas, para coletar informações sobre a estadia de Charlotte na Bélgica. No internato o professor mostrou as correspondências enviadas pela ex-aluna. A biógrafa, no entanto, preferiu não fazer referência a elas. Preferiu evitar polêmicas com o pai de Charlotte, o ex-marido dela e os amigos, todos ainda ressentidos pela morte da escritora que falecera há apenas um ano.

As Origens de Jane Eyre

Em Manchester a cirurgia de Patrick Brontë foi um sucesso. Mas outro mal afligia Charlotte: a saúde do irmão. Branwell Brontë começou a beber aos dezoito anos na taverna  “Touro Negro”, onde suas habilidades de imitador e capacidade para escrever duas cartas ao mesmo tempo, eram vistos como números de atração. Ele se afastou do álcool quando foi admitido na Academia Real de Artes de Londres, mas refugiou-se novamente na bebida quando as expectativas de tornar-se um pintor famoso não foram adiante. Depois de ter sido demitido de vários empregos, estabilizou-se por um tempo na casa da família Robinson. Mas se apaixonou pela mãe do aluno, chegando mesmo a confessar o sentimento à patroa, e quando o marido dela soube o demitiu. Desiludido, Branwell, que já era viciado em bebidas alcoólicas, mergulhou também no ópio. Anne que vinha acompanhando de perto a decadência do irmão, solidariza-se com a causa dele, também pede exoneração e voltam juntos para Haworth. De volta à cidade natal, atravessa as noites bebendo, para a tristeza do pai.
Abatida pela enfermidade do pai, preocupada com a saúde do irmão e ferida por uma paixão não correspondida, Charlotte Brontë  podia fazer dela as palavras de Jane Eyre quando o senhor Rochester partiu de Thornfield para Londres: (...) "Estava me permitindo experimentar uma nauseante sensação de decepção. Mas reunindo forças e princípios, chamei imediatamente minhas sensações à ordem; e foi maravilhoso como superei o temporário erro". Como a personagem-título ela também deveria pensar que “minha história passada, se conhecida, daria um delicioso romance.” Foi assim que naquele verão, enquanto o pai convalescia da cirurgia, Charlotte começou a redigir a mais bela história que já escrevera até então, a dela. Mas sob o título de "Jane Eyre".
De volta a Haworth, Charlotte começa a executar o projeto da escola. As irmãs mandam imprimir prospectos que enviam a todas as pessoas conhecidas. Mas a publicidade não atrai alunas e o plano é abandonado. Durante uma arrumação no outono de 1845, Charlotte encontrou um caderno de poesias na gaveta de Emily. Charlotte sabia que ela escrevia poemas mas depois de lê-los teve a convicção de que lá se encontravam efusões fora do comum. Uma escritura diferente da que as mulheres normalmente faziam. “Eu julguei os poemas condensados, introspectivos, vigorosos e autênticos. Aos meus ouvidos, a musicalidade deles  tinha algo de singular, selvagem, melacólico e superior”. Mas adivinhe o que fez Emily Brontë quando viu o caderno nas mãos da irmã? Ficou indignada! “Foram necessárias horas para fazê-la aceitar a descoberta que havia feito, e dias inteiros para convencê-la de que os poemas mereciam ser publicados”, contou Charlotte cinco anos depois na reedição de “O Morro dos Ventos Uivantes”.
Vendo que Charlotte gostara das poesias de Emily, Anne decidiu também mostrar as dela. Aos olhos de Charlotte pareceram bem menos originais; porém, “comoventes e sinceros”. Ela sugeriu então que as três selecionassem seus melhores poemas e os reunissem em um volume que seria comercializado sob o pseudônimo de Currer, Ellis e Acton Bell.
Se fossem vivas hoje as irmãs Brontë contariam com alguns confortos que a sociedade moderna oferece como a possibilidade de editar um livro em alguma plataforma de autopublicação, de forma independente. Mas no século XIX não era assim. Tiveram que procurar uma editora. Escrevem ao jornal da Câmara de Edimburgo pedindo uma orientação e os editores recomendaram a pequena casa publicadora "Aylott & Jones". A editora aceita o livro mas com a condição de que as despesas corressem por conta delas. Tudo por 31 libras e 10 xelins. O livro vendeu apenas dois exemplares. Como lamentou Charlotte: “O livro foi impresso, quase não foi conhecido, e não merecia, exceto pelos poemas de Ellis Bell”. Mas (…) “a falta de sucesso não nos abateu; o simples esforço que fizemos  para consegui-lo deu um novo alento às nossas vidas. Era preciso continuar. Nós nos lançamos na prosa”. Trabalhando em segredo, as três irmãs discutem ao redor da mesa o desenvolvimento das narrativas, depois que o pai se despede aconselhando a não dormirem tarde. Quando terminaram, Emily escrevera "O Morro dos Ventos Uivantes"; Anne, "Agnes Grey" e Charlotte, "O Professor". Durante um ano os manuscritos foram recusados por várias editoras. A primeira foi a "Aylott & Jones". Até que uma, a “Thomas Cautley Newby”,  interessa-se por  “O Morro dos Ventos Uivantes” e “Agnes Grey”, que sairiam em três volumes. Os dois primeiros contendo a obra de Emily, e o último a obra de Anne.
Charlotte já estava começando a se desesperar quando recebeu uma mensagem da casa publicadora “Smith, Elder & Co”, de Londres. Na carta os editores recusavam o livro por razões comerciais, ressaltando no final que uma obra em três volumes, como estava em voga, seria objeto de atenção acurada. O público da época só valorizava obras que tivessem tomo. Na época "Jane Eyre" estava quase finalizado. Três semanas depois, início de setembro de 1847, ela o remeteu. Foi publicado um mês mais tarde, tornando-se rapidamente o livro mais comentado de Londres. E a escritora uma das mais adoradas. Os primeiros entusiastas da obra foram os próprios editores. Sr. William, o revisor da firma, empolgou-se pelo novo livro. James Taylor, outro membro da editora, que há tempos não se deixava arrebatar por um romance, também não conseguiu mais largá-lo e, finalmente, o próprio Sr. Smith não ficou indiferente ao estilo de Charlotte.
Intrigado com o volume de correspondência que começou a chegar para o sr. Currer Bell, o carteiro perguntou ao reverendo Brontë “quem era o senhor Bell”? Ao que ele respondeu que não sabia. Até que certa tarde Charlotte decidiu romper o silêncio. Reuniu as resenhas mais generosas, e os três volumes de "Jane Eyre", e se dirigiu ao escritório do pai. No gabinete, informou  que havia escrito um romance. Leu algumas críticas e o deixou com o livro nas mãos. Quando o senhor Brontë saiu do escritório, comentou: “Vocês sabiam, meninas, que Charlotte escreveu um livro e é bem melhor do que se pensa?” Naquele noite a família toda compartilhou da alegria de Charlotte.
Em abril do ano seguinte, Anne publicou "A Inquilina de Wildfell Hall". Aproveitando-se da coincidência de sobrenome, a editora “Thomas Cautley Newby” divulga o rumor de que o escritor da nova obra era na verdade Currer Bell. A “Smith, Elder & Co” fica sabendo e cobra uma explicação de Charlotte. Para desfazer o mal entendido a escritora decide partir para Londres, levando  consigo Anne, para provar que são autores independentes. Na firma, o editor  George Smith se recusa a receber as desconhecidas damas, mas Charlotte insiste em mostrar uma correspondência endereçada a Currer Bell. Quando o sr. Smith pergunta onde havia encontrado a carta, a moça revela  ser o próprio sr. Bell. O editor fica estupefato! O autor mais famoso de Londres do momento era na verdade uma mulher. E provinciana! A editora fica em polvorosa. Todos os que haviam lido o romance queriam conhecer a famosa escritora. Quanto ao sr. Smith, recomposto da surpresa, acolhe as Brontë. Hospeda-as na casa da mãe, cobrindo-as de mimos e atenções. Em uma noite vão à ópera, na outra a um jantar. Num dia visitam um museu, no outro vão à uma recepção íntima. As duas irmãs voltam para Haworth satisfeitas com o acolhimento que receberam.
Naquele ano Charlotte Brontë poderia se considerar uma mulher realizada. Tinha glória e fortuna! Mas em breve uma nuvem embaçaria o seu espectro de felicidade. Branwell, que bebia cada vez mais, e vinha apresentando um comportamento violento e irracional, agora sofria também de delírios. O jovem poeta estava com princípio de tuberculose, mas a doença só foi diagnosticada em estado avançado. Branwell Brontë morreu a 24 de setembro de 1848, após uma terrível agonia. A família não sabia mas Emily também já tinha contraído a doença. Morreu a 19 de dezembro do mesmo ano, suportando a enfermidade com a mesma resignação com que ouvira as resenhas nada elogiosas de “O Morro dos Ventos Uivantes”. O tempo se encarregaria de corrigir a incompreensão literária da época.
Depois de perder dois irmãos em um curto intervalo de tempo Charlotte pensou que já sofrera bastante e que a vida agora seria menos dura com ela. Mas estava enganada. “Emily ainda não fora amortalhada quando Anne adoeceu”, contou. Acreditando que um clima mais ameno ajudaria a irmã, Charlotte e Ellen Nussey partiram para a praia de Scarborough. Na tarde de 27 de maio, Anne contemplou da janela do hotel pela última vez o crepúsculo no mar, que ela adorava tanto, e que retratou em “Agnes Grey”. Ela morreria no dia seguinte consolando a irmã, dizendo: “Tenha coragem”.  Abalada pela morte dos três irmãos, Charlotte só encontra conforto na literatura. E foi neste período de consternação que escreveu “Shirley”, inspirada em Emily, e tendo a revolta dos tecelões como cenário.

A Fama, a Glória, a Fortuna

Durante muito tempo a verdadeira identidade de Currer Bell foi ocultada pela editora. Mas o segredo acabou quando um morador de Haworth descobriu e divulgou na imprensa que o ilustre escritor era na verdade a filha do pároco de Haworth. O círculo literário londrino ficou emocionado e pediu para conhecê-la. Sr. Smith, editor de Charlotte, partiu então com ela em turnê por Londres e Edimburgo, apresentando-a aos grandes vultos da época. Harriet Martineau, William Wordsworth, George Henry Lewes, Charles Dickens, Elizabeth Gaskell e William Thackeray foram alguns deles.
A fama de Charlotte também modificou a rotina do vilarejo em que morava. Desde que os cidadãos ingleses descobriram que a filha do pastor da aldeia de Haworth era a maior romancista viva da época, que o povoado virou um verdadeiro centro de peregrinação. Para o horror de Charlotte que sempre odiou publicidade.
Na paróquia, curiosos pagavam para que o sacristão, John Brown, apontasse a famosa autora de “Jane Eyre”. Os nobres da cidade também queriam agora a amizade da escritora. Mesmo James Taylor, um dos sócios da editora “Smith, Elder & Co”, chegou a pedi-la em casamento. Pedido que ela recusou com muita elegância. Tudo na vida da autora estava acontecendo rápido demais. Charlotte decide então procurar refúgio em Londres, assistindo a uma conferência de Thackeray, seu autor predileto. Para a surpresa dela, vários cavalheiros que também assistiram à palestra se alvoroçaram para conhecê-la. Charlotte foi embora feliz com o reconhecimento, mas ainda confusa pela celebridade recente.
“Shirley”, segundo romance de Charlotte Brontë, não teve a receptividade de “Jane Eyre”. Mas o sucesso de “Villette” anunciou um ano repleto de realizações que culminaria no seu noivado com Arthur Bell Nicholls. Nicholls era coadjutor do reverendo Patrick Brontë há sete anos. Foi ele que emprestou o sobrenome “Bell” para as três irmãs e inspirou o pastor Matthewston Helstone em “Shirlley”. Agora ele queria pedir a autora em casamento. O primeiro a recusar a proposta foi o pai da escritora. O rapaz não estava à altura da filha famosa. Ultrajado, Nicholls se desligou da paróquia. Um novo pároco foi enviado para substituí-lo. Mas como o reverendo Brontë não se acostumou ao estilo do novato, pediu o retorno de Bell. Charlotte Brontë e Arthur Nicholls casaram a 24 de junho de 1854.
No retorno da lua de mel, Charlotte começou a escrever um novo romance, “Emma”. O livro permaneceria inacabado. Quando Charlotte descobriu que estava grávida decidiu suspender o trabalho. A gravidez seria muito difícil. Náuseas, vômitos e desmaios eram suas maiores queixas. Com o tempo ela começou a apresentar um quadro de subnutrição que se agravou com um resfriado que contraiu em novembro do mesmo ano. A 31 de março de 1855, com a saúde bastante fragilizada, volta-se para o marido aflito que rezava ao lado da cama, e pergunta: “Não vou morrer, não é? Temos sido tão felizes juntos!” E expirou.
Muitas hipóteses têm sido levantadas para explicar a morte de Charlotte Brontë. Para alguns estudiosos da vida da escritora ela morreu de tuberculose. Doença que tanto afligiu à família. Para outros a verdadeira causa de sua morte foi a febre tifoide. A criada Thabby morrera há pouco da doença. Mas para outros biógrafos, Charlotte morreu de gastroenterite. A verdadeira causa continua, portanto, ignorada.

As Brontë na Cultura Pop

Emily e Anne não viveram o suficiente para assistirem ao fenômeno da brontëmania. Mas Charlotte sim.  Ainda em 1850 a escritora de "Jane Eyre" foi convidada para posar para o célebre pintor George Richmond. O quadro hoje decora a sala de jantar do Museu Brontë em Haworth. A primogênita das Brontë também testemunhou a transformação do vilarejo de Haworth em centro de peregrinação. Segundo a BBC, em média 85 mil pessoas visitam-no todos os anos. Uma das turistas famosas que visitou o local foi a escritora Virginia Woolf. O pai dela foi casado em primeiras núpcias com Harriet Marian, irmã mais nova da também escritora Anne Isabella, que chegou a conhecer Charlotte em um jantar oferecido pelo pai, William Thackeray, à escritora.
Em 1946, com o filme "Devotion", Hollywood levou pela primeira vez às telas a cinebiografia das três irmãs. O filme tinha como fio condutor um fato pouco explorado por biógrafos da família: a paixão de Charlotte e Emily por um jovem vigário que auxiliou Patrick na paróquia em 1839, William Weightman. Diferentemente dos demais pastores que as duas moças conheciam, Weightman era bonito, inteligente, divertido e bem humorado. Era uma figura sempre bem-vinda para um chá com bolos ao lado do trio. Charlotte logo demonstrou o que sentia por ele, mas foi para Emily que o clérigo enviou um cartão pelo dia de São Valentim. O pároco faleceu aos vinte e seis anos, de cólera. Notícia que elas souberam quando estavam em Bruxelas.
Trinta e três anos após "Devotion" foi a vez do diretor André Téchiné retratar a vida do trio de Haworth no filme "As Irmãs Brontë" (Les Soeurs Brontë). A nova cinebiografia trazia um time de atrizes à altura das escritoras famosas. Tinha Isabelle Adjani, que recentemente fora indicado ao Oscar de Melhor Atriz pelo esplêndido "A História de Adèle H"; Isabelle Huppert, em ascensão, que chegaria ao auge da criatividade artística em "Elle". Se Anne fosse viva e soubesse que seria vivida por ela no grande ecrã, provavelmente teria dito: "Isabelle Huppert? Ohlalaa!" O papel de Charlotte ficou a cargo da menos convincente Marie - France Pisier. E, finalmente, o papel de Branwell foi vivido pelo ator Pascal Greggory. Um elenco de primeira grandeza que poderia ter feito do filme uma grande história se Téchiné tivesse um pouco mais de sensibilidade artística atrás das câmeras. A vida das irmãs Brontë ainda não ganhou, portanto, uma adaptação ao nível de seu talento.
Em 1995 o drama da fratria foi transformado em balé pela coreógrafa Gillian Lynne. Antes, em 1943, Martha Graham já havia feito uma adaptação com o título "Death and Entrances", nome de um poema de Dylan Thomas.
Quando não é a biografia das três irmãs que inspira o mundo das artes, é a obra. Nos anos cinquenta Bernard Herrmann criou um ópera "Wuthering Heights", baseada no livro de Emily. O romance também foi tema de música. Quando terminou de ler "O Morro dos Ventos Uivantes" (Wuthering Heights), a cantora Kate Bush se deu conta de que ela e Emily haviam nascido no mesmo dia e decidiu homenagear a escritora com o primeiro single, "Wuthering Heights". Na canção interpreta a protagonista do livro, Catherine Earnshaw.
No filme "Week-End", de Jean- Luc Goddard, os personagens Corinne e Roland solicitam informações geográficas à Emily Brontë. O livro "Os Morro dos Ventos Uivantes" também  já foi adaptado várias vezes para o cinema, mas nenhuma versão até agora foi satisfatória. A pior talvez é a de 2011 em que James Howson interpreta "Heatchcliff". A mais recente, "W.H. Academy", é uma versão modernosa do romance ambientada em uma escola do século XXI.
Quanto a “Jane Eyre” foi levado pela primeira vez para as telas em 1944 com Joan Fontaine no papel de Jane e Orson Welles como senhor Rochester. 54 anos depois foi a vez de Franco Zefirelli adaptar a obra no filme que teria Charlotte Gainsbourg e William Hurt no elenco.
Em 2011, sai uma nova versão, desta vez dirigida por Cary Fukunaga com a atriz Mia Wasikowska na pele da governanta de Thornfield. Neste ínterim, a televisão lançou duas minisséries. A primeira, de 1983, foi dividida em onze episódios de trinta minutos cada, vividos por Zelah Clarke e Timothy Dalton. A segunda, de 2006, teve quatro capítulos de uma hora, tendo no elenco Ruth Wilson e Toby Stephens.
 A casa de bonecas que a autora de "Jane Eyre" construiu em 1839, aos vinte e três anos, foi leiloada em 1974 pelo valor de 400 libras. Trinta e cinco anos depois, a "Christie's" avaliava que o preço variava de 5000 a 8000 libras em um novo leilão realizado em 2009.
A obra-prima de Charlotte também rendeu um romance, “The Eyre Affair”. Na história, a detetive Thursday Next persegue um criminoso no mundo do livro "Jane Eyre".
Cratera Brontë é uma cratera de 60 km de diâmetro na superfície de Mercúrio. A 25 de setembro de 1973 três astrônomos neerlandeses batizaram "39.427 Charlottebrontë" ao novo asteroide identificado no observatório do Monte Palomar. Quatro dias depois identificaram mais dois. Como o anterior foi batizado "Charlottebrontë", decidiram chamar os outros dois de "39.428 Emilybrontë" e "39.429 Annebrontë". Os três pertencem ao cinturão Main-Belt.

Para saber mais:

"The Brontës", de Juliet Barker.
"Estética Literária Inglesa", de Oscar Mendes da Silva.
"Notícia Biográfica sobre Ellis e Acton Bell", em "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë. Tradução de Vera Pedroso.
"Charlotte Brontë: A Fiery Heart de Claire Harman", de Claire Harman.

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